Christiane Jatahy flutua entre palco e tela, no Segundo Caderno

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(matéria de Rodrigo Fonseca publicada no jornal O GLOBO em 20 de junho de 2011)

CHRISTIANE JATAHY: “ formada” pelos filmes de diretores como Bergman e Wong Kar-wai

De tanto incorporar elementos da gramática cinematográfica a espetáculos teatrais como “Conjugado” (2004) e “Leitor por horas” (2006), que a transformar am em uma das mais elogiadas encenadoras do teatro atual, Christiane Jatahy acabou dirigindo um filme. “A falta que nos move”, que estreia dia 1º de julho, nasceu de uma pesquisa de linguagem forjada nos palcos e chega às
telas balizada por um conjunto de regras que lembra Dogma 95, o movimento escandinavo encampado pelos dinamarqueses Lars von Trier (“Os idiotas”) e Thomas Vinterberg (“Festa de família”). O longa-metragem foi feito com cerca de R$ 100 mil, menos que o padrão das produções nacionais de baixo orçamento.

Filmagem com dez regras básicas

— Filmamos em 23 de dezembro de 2007, na minha casa, usando dez procedimentos:
1. seriam cinco atores;
2. uma única locação;
3. 13 horas contínuas de filmagem;
4. três câmeras simultâneas;
5. atores dirigidos durante a filmagem por mensagens de texto;
6. eles esperam por uma pessoa que não sabem se virá;
7. seguem roteiros, mas não conhecem os roteiros uns dos outros;
8. comem, cozinham e bebem de verdade;
9. algumas tramas são reais, outras são inventadas;
10. ninguém pode sair da locação, aconteça o que acontecer.

Esses dispositivos criam as teias de conflito — diz Christiane, que construiu o longa com base na peça homônima que montou há seis anos. Produzido por Flávio R. Tambellini (“Carandiru”), “A falta que nos move” traz na direção de fotografia a grife Walter Carvalho. Exibido pelo Festival do Rio 2009 na mostra Novas Rumos, o filme é a ressaca tardia do Bergman que Jatahy consumiu na adolescência, filtrado por memórias de John Cassavetes, Michael Haneke, Lucrecia Martel e outros.

— Na arte, cinema é a minha formação. Quando descobri Bergman, realizador também ligado ao teatro, eu mergulhava naquelas retrospectivas em que a gente ia de “O sétimo selo” a “Fanny e Alexander” num dia só. Depois vieram outros, como Wong Kar-wai. Mas como comecei a atuar cedo e logo passei a dirigir peças, acabei levando a questão cinematográfica para a cena teatral. Quando montei “Carícias”, as cadeiras do teatro se moviam como se fossem uma câmera. Em “Corte seco”, eu editava a peça ao vivo, como se montasse um filme — lembra a diretora, que ainda este ano
monta “Julia”, baseado em “Senhorita Julia”, de Strindberg, em outubro, no Espaço Sesc.

— A montagem também terá esse tom de cinema: parte do espetá-culo será um filme ao vivo.
Quando montou “A falta que nos move”, Christiane filmou o processo de ensaios. — Ali, eu fui percebendo que a improvisação dos atores dava um retorno cinematográfico — diz ela, que exibe no dia 8 de julho, das 17h às 6h, no Parque Lage, as 13 horas de material filmado de “A falta que nos move” em forma de videoinstalação. Não há exatamente uma trama no filme. Há um encontro:
cinco amigos passam juntos uma véspera de Natal que gravita da afetividade à agressão de
acordo com um balé de carências, cobranças e decepções. — Queria fazer um filme capaz de provocar nas pessoas a mesma sensação da peça em relação à linguagem. Meu objetivo
era promover um registro do presente em que o espectador pudesse ser surpreendido a
qualquer momento. As situações dramáticas eram propostas, mas o acaso preenchia todo
o resto, com o agravante de que os atores bebiam de verdade o filme todo — diz Christiane.

No filme, vencendo etapas

Filmando, ela aprendeu uma distinção a mais em relação ao teatro e ao cinema no Brasil.
— No teatro, quando uma peça está pronta, você abre o pano e encena, com tempo para criar boca a boca. No cinema , finalizar um filme nem sempre é certeza de estreia — diz a diretora. — Você tem que ir vencendo etapas até fazer o filme chegar ao espectador. Enfim chegamos lá.

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