A Falta Que Nos Move (por Messias Liborio)

(texto extraído na íntegra do blog Cinema & Quadrinhos)

É até clichê falar que o cinema consegue se manter ao meio de tantas novidades e tantos anúncios de declínio da sétima arte pela sua capacidade de trabalhar muito bem com o imaginário popular. Por fazer com que saiamos da banalidade e por um “passe de mágica” mergulhemos num mundo que não é o nosso. Pelo cinema documental, se constituiu uma fonte histórica importante de grandes momentos da civilização, contribuindo para levar para a posteridade fatos que marcaram. Muitos filmes trabalharam nessa mistura entre realidade e ficção. Eduardo Coutinho, maior documentarista do nosso país, em vários dos seus filmes, consegue estabelecer esse mix de forma perfeita, deixando para o espectador a dura tarefa de separar o que é real do que é ficcional em seus documentários.

Eis que surge outro filme que trabalha esplendidamente com essa dualidade. Falo de “A Falta Que Nos Move”, longa brasileiro da diretora Christiane Jatahy, que parte da ideia de juntar alguns personagens, aparentemente amigos, em uma casa (na verdade, na casa da própria diretora do filme), a fim de que preparem um jantar para alguém que eles não sabem quem é. No começo do filme, já temos uma visão que esse não é uma simples longa ficcional. Vemos a equipe de produção conjecturando a melhor maneira de se dirigir as cenas. O nome dos personagens é o mesmo nome dos atores, o que mostra que nesse filme a confusão foi previamente pensada e planejada, com resultado interessantíssimo. As orientações para os atores são dadas por intermédio de mensagens aos celulares dos atores. E o clima de naturalidade criado pela bela fotografia do craque Wálter Carvalho cria um ambiente de tensão que se aproxima do reality show mas escapa da banalidade desse tipo de programa.

Ao entrarem na casa, aos poucos vão se revelando traumas, segredos e abalos num relacionamento que aparentemente parecia amigável entre as cinco pessoas em cena. Então a partir daí, começa a se desenvolver uma intrincada rede que envolve o espectador, na ânsia em descobrir o que daquilo ali é real e o que resvala na ficção. Essa linha no filme é bem tênue e é isso que o torna uma peça rara nos dias de hoje. A diretora e os excelente atores trabalham muito bem para confundir e trazer incômodo aos que estão do outro lado da tela. Ao contrário dos filmes documentais de Coutinho, não se tem uma linha documental. Apenas se partiu de um ponto aparentemente simples para trabalhar um enredo que se mostra amplamente complexo mas ao mesmo tempo segura cada um que teve o interesse em mergulhar nessa experiência única. Ao final, sente-se o impacto da obra, que apela para atores desconhecidos para embasar sua viagem alucinante e perturbadora em que real e ficção se misturam num amálgama riquíssimo que desvenda um pouco da nossa alma e que homenageia de forma esplêndida a magia do cinema e sua intensa capacidade de se renovar e de surpreender. Espero que um dia os aracajuanos possam compartilhar dessa experiência única proporcionada por “A Falta Que Nos Move”.

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