A falta, em cartaz (Por Isabela Pimentel)


Filme brasileiro, inspirado no movimento Dogma, estimula a reflexão: a vida é maior do que a arte ou é a própria arte?

(texto retirado na íntegra do blog Clínica Literária)

Cinco atores, em trezes horas contínuas de gravação. Uma casa na zona zul do Rio, na antevéspera de natal. É assim o enredo do longa A falta que nos move, de Christiane Jatahy. Luz ambiente, presença do improviso e direção em cena fazem da obra uma versão à brasileira do movimento cinematográfico dinamarquês Dogma, publicado em 1995, como uma crítica aos filmes industriais, em prol da verdadeira arte, sem truques, edição ou efeitos especiais.

Amigos de longa data, na verdade, atores, se reúnem em casa para realizar uma experiência: devem encenar, e preparar um jantar para um sexto convidado, também ator, que participaria da gravação, mas que não tem certeza se iria chegar. Esta informação não era clara no script.

Enquanto o protagonista defende que todos sigam à risca o roteiro, os outros personagens questionam,alegando que não é possível prevenir tudo. A onipresença do diretor, de um grande personagem que controle a tudo e a todos, é posta à prova, em diversos momentos.

Adaptado da peça do mesmo nome, criada e dirigida por Christiane Jatahym o filme traz para as telas o mesmo elenco do teatro. O curioso é que, na trama, os personagens recebem ordens da direção via sms e, em vários momentos, a metalinguagem da obra confunde vida e ficção. Seria um filme sobre a gravação de um filme ou uma metáfora da vida como uma obra ficcional?

O papel do ator também é amplamente discutido, com sua influência na construção dos personagens, cada um, com suas dores e angústias. A direção de fotografia de Walter Carvalho ajuda a mesclar ficção e realidade..

Ora brigando, ora discutindo relações humanas entre vinhos e petiscos, os atores questionam seu próprio ofício e aquilo que estaria prescrito para ser atuado. Existiria um grande diretor?Seria a vida uma trama predestinada?

Enquanto o protagonista defende que todos, após a preparação do jantar, esperem pelo convidado, como prescrito no roteiro, os outros personagens resolvem quebrar as regras. E, na verdade, o sexto personagem não viria.

A dor da perda, da espera, e o próprio sentimento de falta são abordados, de forma magnífica, como força motriz para guiar as ações humanas. Esperamos, pois desejamos, sentimos falta, pois algo nos é ausente.

Até que ponto essa falta pode guiar nossas ações?

O filme traz uma importante reflexão. O ser humano é um misto de suas vitórias, derrotas, dores e anseios. Enquanto riem e refletem, os personagens brindam ao ato de estar vivo. Um deles diz: “A vida é muito maior que tudo isso”. Seria a vida maior do que a arte ou a própria arte?

Neste imbatível dilema sem vencedores, a obra põe em cheque duas perspectivas e formas de ver o mundo: viver movido por uma falta, esperando que ela se resolva ou que seu vazio seja preenchido (a metáfora do sexto convidado) ou aproveitar o presente (no filme, metaforizado por “jantar antes da chegada do último personagem”) e viver impulsionado pelos desejos e aspirações do agora.

O filme está em cartaz, e todos os dias, vivenciamos um de seus “frames”. Uma bela celebração à arte da vida.

Mais informações no site oficial http://afaltaquenosmove.com/

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