Sem Limites Criativos (por Ubiratan Brasil, O Estado de S. Paulo)



(Sexta, 1º de julho de 2011, 00h00)

As fronteiras artísticas parecem inexistir para a diretora Christiane Jatahy – no teatro, ela é capaz de utilizar a edição cinematográfica, realizada no próprio palco, para alternar as cenas, como fez no já célebre Corte Seco. E, no cinema, arte na qual ingressa agora, Christiane transgride o tempo e realiza um filme no qual a ação é contínua, como se fosse uma longa peça teatral. É o que se observa em A Falta Que Nos Move, que estreia hoje.

Inspirado em um espetáculo com o mesmo título, o longa mostra o encontro de cinco amigos (vividos por Cristina Amadeo, Daniela Fortes, Marina Vianna, Kiko Mascarenhas e Pedro Brício), na véspera do Natal. Enquanto esperam por uma pessoa que não sabem se realmente virá, eles discutem sobre o projeto de um filme. O clima vai se tornando mais tenso, no entanto, à medida que afloram alegrias, frustrações, ausências e paixões.

A filmagem exigiu uma preparação complexa. Foram cinco meses de ensaios antes de serem ligadas as câmeras. E, quando isso aconteceu, foram 13 horas contínuas de rodagem. “Cada ator recebeu um roteiro que continha apenas instruções sobre sua atuação, ou seja, nem sempre sabia qual seria a reação do outro”, relembra a diretora, que utilizou sua própria casa, no Rio, como locação: enquanto os atores interpretavam no andar de cima, ela acompanhava no de baixo. “Não discuti com os atores o roteiro, mas o desenvolvimento das relações e a linha dos personagens”, afirma Christiane. “Eles improvisaram algumas cenas propostas por mim sem saber se entrariam no filme.”

Como a espontaneidade do momento conduziu muitas ações, a diretora enviava coordenadas para os atores por mensagem no celular. E não era nada escondido: o espectador tem a oportunidade não apenas de ver essas instruções como também de perceber que três câmeras acompanham o drama – a direção de fotografia é de Walter Carvalho.

Os bastidores renderiam, por si, um outro filme – em um determinado momento, uma das atrizes sofre um corte na cabeça. Estabelece-se um certo pânico, pois não se sabe a gravidade da contusão. Christiane consulta o elenco, por mensagem, se há necessidade de se interromper a gravação. Ao perceber que não foi tão grave, o trabalho continua.

É preciso lembrar que a diretora acertou com o elenco e os câmaras uma lista de dez procedimentos que deveriam ser seguidos por todos no dia da filmagem e, entre eles, figurava o impedimento de que se sair de cena, independente do que acontecesse. “Outro momento que quase comprometeu o trabalho foi a chegada da polícia”, conta Christiane. Por conta do barulho provocado por uma das discussões, o alarme de uma das casas próximas disparou. “Eles entenderam que se tratava de uma filmagem e não atrapalharam. Só lamento que não tivessem aceitado meu convite para entrar na cena. O resultado poderia ser incrível.”

O improvável estimula e não inibe a criatividade de Christiane Jatahy, o que torna seu trabalho mais original e instigante. Se na peça que inspirou o filme ela deixava o espectador tomado pela dúvida se era cena ou improviso, no longa a questão é se se trata de ficção ou documentário. “O público tem a impressão de que todos os diálogos são espontâneos, mas boa parte foi ensaiada e veio pronta para os atores.”

Assim, ao tratar de amizades e memórias, a diretora continua em sua linha criativa de lidar com relações humanas. “Sobre o vazio que nos leva à ação”, completa Christiane, já disposta para nova empreitada: encenar o clássico Senhorita Júlia, de Strindberg. Como a ação será transportada para o presente, a peça vai se chamar apenas Júlia. E, claro, apesar de exibida em um palco, a linguagem cinematográfica também será decisiva.

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