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O que uma ficção de três mil anos pode nos dizer sobre o mundo em que vivemos nesta primeira metade do século 21? O guerreiro Ulisses e seus dez anos de aventuras lendárias na viagem de volta para casa após a Guerra de Troia, Penélope, a esposa, que defende a terra natal, “Ítaca”, dos invasores, Telêmaco, o filho, que sai em busca do pai perdido. Qual é a ligação entre essas histórias e os atuais movimentos de pessoas cruzando fronteiras em busca de uma terra segura, um lar? Ou outras pessoas, que mesmo marginalizadas pelas
instâncias do poder, continuam defendendo suas casas contra todo tipo de invasores?
“O agora que demora” é a segunda parte de um díptico intitulado “ Nossa Odisseia”, no qual a diretora de teatro e cinema, Christiane Jatahy, aborda essas questões a partir do épico de Homero. O trabalho aprofunda o desenvolvimento da linguagem que levou Jatahy a um lugar de destaque no teatro contemporâneo mundial. Expondo as linhas de tensão entre o cinema e o teatro e as suas respectivas conexões com o passado e o presente, ela dinamita os muros de fronteira entre ficção e realidade, e desafia a posição dos espectadores dentro dessas novas conexões.
“O agora que demora” leva a pesquisa de Christiane Jatahy a um novo nível, que vai além da investigação de como o cinema pode ampliar a nossa experiência teatral, dramaturgicamente e formalmente. Invertendo os papéis entre as duas mídias. “O agora que demora” é um filme que alcança toda a sua dimensão quando dialoga com o teatro. O filme foi realizado em Jenin, na Palestina; em um campo de refugiados no Líbano e na Grécia; no centro da cidade cosmopolita africana de Joanesburgo, e em uma comunidade indígena na Floresta Amazônica, que luta para defender sua terra natal e sua integridade. Ainda que essas filmagens tenham sido realizadas em um contexto documental, o escopo é definitivamente fictício, já que os atores dessas comunidades se armam dos versos de Homero para falar sobre suas realidades.
Eles se transformam em uma sucessão, multiplicação e manifestação de Ulisses, Penélopes e Telêmacos, traçando linhas diretas entre os personagens clássicos gregos e todos nós, presentes no teatro. Espectadores e artistas, filhos e filhas, mães e pais, com as nossas histórias recentes, nossos presentes ou futuros próximos de jornadas e transformações para garantirmos um porto seguro, em uma busca constante que faz parte do DNA de todos nós.
Em “O agora que demora”, embarcamos em uma jornada guiada por uma ficção de três mil anos de idade, mas sempre com a lama da realidade de hoje molhando os nossos pés. Um filme, uma peça que transporta o público para dentro da ficção. Um encontro para descobrirmos brechas no muro e portas deixadas abertas, e questionarmos: como podemos quebrar esse ciclo de repetição?
THOMAS WALGRAVE
COLABORADOR ARTÍSTICO, LUZ E CENÁRIO
“O agora que demora” é a segunda parte de um díptico que se chama “Nossa Odisseia”. Em 2017, começamos a trabalhar com a “Odisseia” de Homero, a primeira criação, a partir desse material, foi “Ítaca”. Ali fizemos uma abordagem sobre a “Odisseia”, a partir de um ponto de vista mais teatral, evidenciando a etapa final dessa enorme história; o momento onde Odisseus está no fim da sua odisseia, não suportando mais o tempo de dez anos tentando chegar em casa. Ele está na ilha de Calipso a ponto de sair.
O espaço cênico era bifrontal para mostrar os dois pontos de vista da história: de um lado estava a ilha de Calipso, e do outro lado estava “Ítaca”, onde Penélope luta com as suas últimas forças para evitar a tomada de poder dos pretendentes, deixando claro todos os paralelos que isso tem com o Brasil. “O agora que demora” aprofunda alguns aspetos da abordagem da obra original, e ao mesmo tempo que verticaliza, também horizontaliza, porque tomamos uma parte mais ampla do livro.
Contamos, de alguma forma, os dez anos da “Odisseia”, não mostramos a ação dos dez anos, porque mesmo no original, não é descrita a ação no momento presente, mas a narrativa desses dez anos, é um flashback onde ele narra o que viveu, e nós também narramos esta história na perspectiva de hoje, até a chegada em “Ítaca”.
E nessa verticalização, algumas linhas da minha pesquisa estão em continuidade nesse trabalho, entre elas uma sequência de filmes documentários que começaram na criação do espetáculo “E se elas fossem para Moscou?”, no projeto “Utopia.doc”, que transformou em diálogo uma série de encontros entre imigrantes, refugiados e pessoas em situação de deslocamento no mundo. Pessoas que encontraram uma nova casa. Ou não. Muitas vezes não. Depois a realidade e a ficção podem interagir num trabalho artístico.
No caso do “O agora que demora”, não é uma peça – parafraseando o início do “E se elas fossem para Moscou?” – talvez seja um filme, ou talvez não seja um filme e seja uma peça. Mas começa como um filme. O pulso desse trabalho é através do cinema. Mas é um através do cinema para chegar ao teatro, portanto também é uma odisseia para chegar ao teatro. Tem muitas odisseias, muitas camadas de odisseias.
Fomos a alguns lugares filmar pessoas que estão vivendo odisseias reais, não para fazer um documentário com elas, mas para dar a elas uma ficção para que por meio dessa ficção elas falassem sobre o que elas estão vivendo na realidade. É um roteiro, construído seguindo a estrutura da “Odisseia” e com trechos dos versos originais, mas também com a minha linguagem, em que a saída e a entrada do ator na realidade e na ficção estão muito presentes. Nós filmamos no Estado da Palestina, no Líbano, na Grécia, na África do Sul e na Amazônia. Uma espécie de corrida de bastão, com múltiplos Odisseus, que são homens e mulheres. Essa corrida de bastão vai indo de um lugar para outro, em continuidade com o roteiro, como se um ator fosse pegando do outro essa história num espaço virtual, porque eles não se encontram mas a história segue sendo contada de forma contínua, através das várias faces que se multiplicam no filme e no teatro, portanto, se multiplicam em nós.
Uma das questões é mesmo quebrar esse preconceito de que quando falamos de refugiados, imediatamente os colocamos dentro de um contorno, de um espaço, de um frame específico e distante de nós. É muito difícil olharmos como algo que também é nosso, ou que podia ser um de nós, ou que poderia ser alguém da nossa família, da nossa origem. E essa proximidade se dá nesse trabalho porque todos são atores, são atores em situação de refúgio, trabalhamos com instituições culturais, com atores palestinos, com atores sírios, exilados atualmente no Líbano; e quando falo dos sírios me bate num lugar muito forte, porque são pessoas com um trabalho absolutamente aprofundado de linguagem, de pesquisa e que estão impedidos de continuar o seu trabalho, a sua vida, então, é um encontro muito forte, artístico e pessoal. Aliás, tudo isso, a nossa odisseia nessas viagens, nos transformou profundamente. De um lado tem a exposição tão forte dessas pessoas, que abriram as suas histórias para iluminar uma ficção e através dessa ficção iluminar também a sua realidade, e a nossa.
Não tem como, nessa transformação, nesse pacto, nós não estarmos presentes. Faz parte da ideia de não separar, não hierarquizar, de quebrar outras paredes. A nossa presença em palco, minha e do Thomas tem a ver com isso. Assumirmos as nossas histórias.
Acho que tem uma questão sobre a Palestina que é importante falar, a gente pensa a odisseia sempre sobre a perspectiva do deslocamento, mas tem uma questão importante sobre a ideia da casa. De precisar chegar em casa. Os palestinos estão em situação de refúgio apesar de estar do lado das suas casas, na sua terra, e aí tem paralelo com a Amazônia. “A casa” que você perde está do seu lado, mas você não pode mais chegar nela. Mesmo no Líbano, a Síria está a menos de uma hora, mas eles não podem voltar. Sempre temos essa ideia da travessia, do deslocamento, como as grandes viagens mas não é só sobre isso. Onde está a sua casa? “Ítaca” está a dez anos de distância, ou está a dez minutos, dez segundos, em um agora que não chega? E é sobre a casa que você deixa e a casa que você encontra, sobre o não ter mais sua casa, e a sua casa é a sua família, a sua história, as raízes que você, às vezes, é obrigado a perder.
Tem a odisseia dessas pessoas, a ficção de Homero. A odisseia real, de cada um de nós, e o que surge disso, e a odisseia de ter feito isso, e o que a gente conta através disso, porque é de uma dimensão, é de uma enormidade, é de uma violência que não cabe num projeto. Ela se alastra para a conversa que estamos gravando, ela se alastra para o que virá, pela responsabilidade que sentimos agora, tantas pessoas que encontramos, e que queremos trazer para perto. Como vamos criando os laços, e tudo isso de alguma forma é um agora que demora.
O trabalho está se construindo nessas múltiplas e múltiplas escrituras de um filme que só pode acontecer no momento presente do teatro. Não é uma peça, mas é teatro porque só pode acontecer naquele lugar da maneira como a gente está aqui agora, nessa mesma relação.
E tem uma coisa curiosa, que sinto nas muitas vezes que trabalhei nessa relação do teatro com o cinema. Eu penso isso desde “A falta que nos move”; como é que eu posso colocar em tempo presente alguma coisa que é um registro do passado? Quando pensei na adaptação para o cinema de “A falta que nos move”, que foi criado a partir da peça, com o mesmo nome, em que tudo parecia estar acontecendo no improviso do tempo presente. Para mim, o desafio, era como seria possível fazer isso no cinema, se o cinema é claramente um registro de alguma coisa que já passou. Como é que eu posso provocar no espectador a dúvida sobre algo que é impossível de duvidar. “E se elas fossem para Moscou?” também é construído sobre essa mesma premissa. Porque é uma peça e um filme que acontecem em dois espaços diferentes, mas um é criado a partir do outro. >>
E em “A floresta que anda” idem, porque estamos fazendo um filme ao vivo, com todos os riscos que isso implica. Ao mesmo tempo, quando o filme se apresenta, para quem assiste, as pessoas estão vendo no tempo presente o passado recente delas. O espectador está se vendo no passado de um tempo presente. E aqui também, porque a gente filmou com o objetivo de presentificar, trazer para o aqui – neste caso ainda tem outro simbolismo – quem não pode estar aqui, no tempo presente daqui… “O agora que demora”, em termos formais, em termos de pesquisa de investigação, também é sobre isso. Porque é sobre como é que nós podemos acabar com essas fronteiras, entre nós e o outro. É sobre essa utopia, que talvez seja a “Ítaca” do projeto, a utopia de juntar lugares e territórios que estão separados por forças bem maiores do que as da natureza.
O ponto em que tudo converge é o público, o ponto central, o ponto de onde olho, crio é sempre a perspectiva do espectador, não só como alguém que olha, mas também sobre como o olhar do espectador pode modificar a cena, e o que é que isso pode colaborar na dramaturgia.
No “O agora que demora”, o público é parte fundamental disso, o público no seu lugar público, no sentido grego, no sentido político, como um coro que transforma a história. “O agora que demora” é para fora e para dentro, é a expansão de um lugar para outro, o público é muito importante nisso. E não vou revelar mais, o resto é surpresa.
CHRISTIANE JATAHY
trechos da conversa pública com Thomas Walgrave, Sesc Pinheiros, 27 de Março 2019
FICHA TÉCNICA
O AGORA QUE DEMORA – Nossa Odisséia II
SÃO PAULO – SESC PINHEIROS
Criação, adaptação, roteiro e direção: Christiane Jatahy
Colaborador artístico, luz e cenário: Thomas Walgrave
Diretor de fotografia: Paulo Camacho
Designer de som: Alex Fostier
Música Original: Domenico Lancelotti e Vitor Araújo
Coordenação e colaboração: Henrique Mariano
Participantes: Abbas Abdulelah Al’Shukra, Abdul Lanjesi, Abed Aidy, Adnan Ibrahim Nghnghia, Ahmed Tobasi, Bepkapoy, Blessing Opoko, Corina Sabbas, Emilie Franco, Faisal Abu Alhayjaa, Fepa Teixeira, Frank Sithole, Iketi Kayapó, Irengri Kayapó, Ivan Tirtiaux, Jehad Obeid, Joseph Gaylard, Jovial Mbenga, Kroti, Laerte Késsimos, Leon David Salazar, Linda Michael Mkhwanasi, Manuela Afonso, Maria Laura Nogueira, Maroine Amimi, Mbali Ncube, Melina Martin, Mustafa Sheta, Nambulelo Meolongwara, Noji Gaylard, Ojo Kayapó, Omar Al Jbaai, Phana, Pitchou Lambo, Pravinah Nehwati, Pykatire, Ramyar Hussaini, Ranin Odeh, Renata Hardy, Vitor Araújo, Yara Ktaish
Montagem filme: Paulo Camacho e Christiane Jatahy
Câmera filme: Paulo Camacho
Segunda Câmera filme: Thomas Walgrave
Mixagem filme: Breno Furtado
Palestina
Produção local Jenin: The Freedom Theatre- Ahmed Tobasi e Mustafa Sheta
Captador de som: Issa J Qumsyeh
Líbano
Captador de som Beirute/Vale do Beqaa: Nour Salman
Tradutora Local: Hiba Hussein
Grécia
Produção local Atenas: Daphne Tolis
Captador de som: Emmanuil Manousakis
África do Sul
Produção local Johanesburgo – Outreach Foundation – Linda Michael Mkhwanasi, Malvin Phana Dube e Gerard Bester
Captador de som: Paul van Zyl
Brasil
Produção local Amazônia: Rafael Cabral e Clara Aruac
Captador de som: Breno Furtado
Tradução da adaptacão do texto em português para o árabe: Shahd Wadi
Colaboração no desenvolvimento do projeto arquitetônico do avanço do proscênio Sesc Pinheiros: Marcelo Lipiani
Sistema de vídeo: Julio Parente
Técnico de vídeo: Felipe Norkus
Técnico de som: Daniel Sanjines
Técnico de luz: Leandro Barreto
Assistente de palco: Thiago Katona
Designer gráfico: Patrícia Cividanes
Assessoria de imprensa: Vanessa Cardoso e Pedro Neves
Consultoria jurídica: Martha Macruz de Sá
Produção Executiva: Anayan Moretto
Produção: Création Studio Théâtre National Wallonie-Bruxelles
Realização: SESC São Paulo
Coprodução: Ruhrtriennale – Alemanha, Comédie de Genève – Suíça, Odéon-Théâtre de l’Europe – França, Teatro Municipal São Luiz – Portugal, Festival d’Avignon- França, Le Maillon-Théâtre de Strasbourg Scène européenne – França Riksteatern – Suécia
Christiane Jatahy é artista associada do CENTQUATRE-PARIS e Odéon- Théâtre de l’Europe
Com o apoio de: The Freedom Theatre (Palestina) e Outreach Foundation (África do Sul)
Apoio Institucional: Embaixada do Brasil na França, Embaixada da França no Brasil, Escritório de Representação do Brasil em Ramala, Embaixada do Brasil no Líbano, Embaixada do Brasil na Grécia e Embaixada da Bélgica no Líbano
Agradecimentos: Abu Khaled, Adriana Yazbek, Alessandra Domingues, André Cortez, Catarina Brandão, Cibele Forjaz, Daniela Opice, Embaixador Francisco Mauro Brasil de Holanda (Representante do Brasil em Ramala), Embaixador Paulo Cordeiro, Flavio Goldman, Hildegard Devuyst, Jan Goossens, Jasper Walgrave, Julia Duarte, Lindiwe Matshikiza,Lucia Romano,Lukas Pairon, Marilia Cortez, Nabil Alraee, Om Khaled, Paula Guedes, Seba Kourani e Thiago Antonio de Melo Oliveira
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