A Cia Vértice dá nome a um processo de pesquisa continuada. Não é uma Cia no sentido tradicional do termo com os mesmos atores a cada peça, mas sim um “espaço” de experimentação e troca com alguns artistas na criação dos trabalhos.
Cada trabalho que eu crio traz o fio do anterior, como um grande novelo em que na ponta está o desejo da continuidade de experimentação de algumas questões artísticas e do uso de determinados dispositivos para a criação. Como se o trabalho anterior, de alguma forma, abrisse a porta do próximo, ou fosse o mesmo sob novos pontos de vista. Meu processo criativo é contínuo, seja no trabalho com os atores e na reflexão permanente sobre as peças já estreadas, ou na investigação para as novas criações, que podem vir através do encontro com um texto já existente que dialogue com a pesquisa, no interesse em um determinado autor de teatro ou literatura, ou a partir de uma idéia original. Esse “original”, tem sempre como ponto de partida o aqui e agora, a vertiginosa e incrível ficção presente no real. A vida é inesgotável como inspiração e o nosso exercício é de ida para o real e volta para a ficção. Aproximando uma lupa da realidade para encontrar nela o imprevisível e o surpreendente de nós mesmos.
2005/ 2009 – A PEÇA
A Falta que nos move é sobre família e seus sistemas relacionais e da relação das histórias familiares com a vivência de uma geração da qual eu faço parte. relação entre ator e personagem e teatro e performance, então desde o começo eu já tinha a idéia de que a peça seria uma “não peça”. A proposição era que os atores não podiam começar a peça porque faltava alguém, e o que acontecia em cena era um encontro daqueles atores com aquele público no teatro, no aqui e agora, convivendo com a ausência. Tudo deveria “ser” (ou “parecer”?) espontâneo. O tempo da peça era o tempo real da ação e enquanto eles preparavam um jantar, bebiam algumas garrafas de vinho e conversavam entre si e com o público. A bebida provocava uma alteração dos estados dos atores na realidade e também na ficção e, com isso, as relações ficavam extremadas e os conflitos entre eles ganhavam força. Eles se chamavam pelos próprios nomes e era propositalmente difuso se o que estava acontecendo era pessoal ou não. Isso trazia a sensação para o público de estarem assistindo algo que não era para ser visto. Algo que fugiu do controle. Algo realmente “real”, mesmo que fosse um jogo sobre o que é real.
A dramaturgia da peça era um grande sistema relacional “familiar”, uma espécie de família de amigos da mesma geração, e como em qualquer encontro íntimo, histórias eram lembradas, memórias da infância vinham a tona e junto delas o período da ditadura e as faltas familiares que esse período provocou direta ou indiretamente.
Depois de 3 anos de temporadas e participação em festivais no Brasil e no exterior filmamos em uma experiéncia cinematográfica única o filme “ A Falta que nos move”
2008/ 2012 – O FILME
O filme se transformou em uma experiéncia de linguagem ainda mais radical do que a peça. Misturando a linguagem do documentário com a ficção e rompendo as fronteiras entre a realidade e a criação.
Para a filmagem foram criados dez dispositivos:
1. cinco atores.
2. uma única locação.
3. treze horas contínuas de filmagem.
4. três câmeras simultâneas.
5. atores dirigidos durante a filmagem por mensagens de texto.
6. os atores esperam por uma pessoa que não sabem realmente se ela virá.
7. eles seguem roteiros, mas não conhecem todos os roteiros uns dos outros.
8. eles comem, cozinham e bebem de verdade.
9. algumas histórias são reais, outras são inventadas.
10. ninguém pode sair aconteça o que acontecer.
Filmamos na véspera do natal – da noite do dia 23 de dezembro a manhã do dia 24 – um natal de amigos íntimos, em que memórias e revelações vem a tona. Foram 13 horas de filmagem que resultaram em 39 horas de material bruto. Levei um ano estudando, decupando as cenas segundo a segundo, e editando para transformar essas 39 horas em 2 horas contínuas, sem elipses aparentes de passagem de tempo, para que o espectador achasse que foi exatamente aquilo que aconteceu naquela noite. O filmagem foi contínua e o filme parece um plano sequência, mas na verdade é uma grande colcha de retalhos que recria uma idéia de realidade. Um exercício de dobras sobre si mesmo, onde nem tudo é realmente como parece.
O filme viajou para alguns festivais internacionais e entrou em cartaz nos cinemas brasileiros em 2011, e teve um impressionante retorno do público para um filme autoral e experimental, foram mais de 20.000 pessoas assistindo em onze semanas em cartaz.
A FALTA QUE NOS MOVE – VIDEO INSTALAÇAO – CINEMA PERFORMANCE
Para fechar o ciclo desse projeto, decidi fazer uma performance cinematográfica, mostrando as 39 horas filmadas. Fizemos uma instalação no Parque Lage, na piscina da Escola de Artes Visuais em parceria com o Tempo Festival. Instalamos três telas de cinema uma ao lado da outra, onde passavam sincronizadas o material das três câmeras e eu editava parte do som ao vivo. Em frente as telas colocamos sofás, cadeiras, almofadas, soltamos a projeção exatamente na mesma hora que começou a filmagem e projetamos durante 13 horas seguidas. Os atores falavam muitas vezes que horas eram no filme e era exatamente a mesma hora do público 4 anos depois. Durante a madrugada passaram mais de 1000 pessoas no lugar. Algumas viram muitas horas, outras alguns minutos, teve gente que assistiu algumas horas saiu e voltou, e teve um grupo de pessoas que assistiu as treze horas seguidas conosco. Foi como fazer o filme novamente.