Muitas vezes a vida nos dá um corte. Um acidente, uma revelação, um crime ou mesmo um fato banal pode interromper o curso de determinada história, mudando para sempre sua trajetória. Não à toa batizado de ‘Corte Seco’, o novo espetáculo da diretora Christiane Jatahy parte desta idéia para mostrar as bruscas interrupções que acontecem na vida e – em um exercício de metalinguagem – os cortes na narrativa teatral. Em cena, a diretora edita parte do espetáculo diariamente, mudando a ordem de cenas e as cortando em pontos diferentes. Corte Seco conclui a trilogia “Uma cadeira para solidão, duas para o dialogo e três para a sociedade” iniciada com o monólogo ‘Conjugado’ e seguida por ‘A Falta que nos Move’,
A peca estreou em novembro de 2009 no Teatro Sergio Porto no Rio de Janeiro e tem sido um enorme sucesso de critica e de público. Indicada pelos críticos do Globo, Jornal do Brasil e Veja Rio. Em fevereiro de 2010 estreou em São Paulo no Sesc Anchieta, onde realizou uma temporada de 2 meses de sucesso de público e critica. Sendo indicada pelos principais jornais (clipping em anexo). Recebeu a indicação de Melhor Texto pelo Premio APTR dos críticos do Rio de Janeiro e de Melhor Direção pelo Prêmio Shell 2010.
‘A peça deixa todas as estruturas de dramaturgia aparentes. A platéia percebe como os atores constroem o espetáculo ao vivo, estou com eles no palco, junto com os operadores de som e de luz, que também recriam parte do trabalho a cada dia’, explica a diretora.
Outras referências para a criação de Christiane foram o livro ‘Passagens’, deWalter Benjamim e os filmes ‘Short Cuts’, de Robert Altman, “Código Desconhecido” Michael Haneke, entre outros. ‘É um espetáculo plural, em que os múltiplos focos partem da realidade para constituir uma ficção. Como em um quebra-cabeça, em cortes secos, a peça é remontada a cada dia’, explica a diretora. Apesar de ser uma apresentação diferente a cada dia, ela frisa que não se trata de um espetáculo de improviso. ‘Há janelas abertas para a improvisação, mas não é a linha deste trabalho’, diz.
Ao brincar com algumas convenções teatrais e mostrar a construção de determinada cena antes mesmo dela acontecer, o espetáculo deixa sua estrutura exposta ao público. ‘Corte Seco’ mantém algumas características das outras partes da trilogia: o monólogo ‘Conjugado’, com Malu Galli em2004, e ‘A Falta que nos Move’ (2005), que, depois de encerrar uma longa turnê, deu origem a um longa-metragem, com direção da própria Christiane Jatahy.
Os três projetos tem afinidades temáticas, como a abordagem de padrões e comportamentos desenvolvidos nas relações sociais e familiares. Além disso, as montagens também apresentam o jogo teatral como metáfora da fronteira entre realidade e ficção, com uma dramaturgia construída no processo de ensaios, a partir de histórias reais.
Em Corte Seco os reflexos da realidade no palco são, literalmente, mais explícitos. Imagens captadas por câmeras de segurança instaladas no entorno do teatro são exibidas ao vivo em vários monitores de TV instalados no cenário. As cenas acontecem dentro e fora do espaço cênico. A rua, os bastidores, camarim, o entorno do teatro fazem parte da cena.
Em “Corte Seco”, a diretora Christiane Jatahy fica no palco e interrompe as cenas, numa peça que faz refletir sobre a realidade de nosso tempo. Manoela Sawitzki “Ao entrar na sala de espetáculos tem-se a impressão de encontrar algo inacabado. Dez atores transitam como que sem intenção pré-estabelecida, e alguns acenam para amigos enquanto o público se acomoda. Na lateral direita, uma mesa abriga a diretora carioca Christiane Jatahy e sua equipe técnica. Não há divisórias. Num ambiente de paredes e portas descobertas, objetos de cenas empilhados, tudo está à mostra: pode (e deve) ser visto. Assim começa Corte Sco, peça da Cia Vértice de Teatro em cartaz no teatro Sérgio Porto, no Rio de Janeiro. Com ela, a Cia Vértice fecha a trilogia iniciada com Conjugado (2004) e A Falta que Nos Move (2005). O descortinamento da construção cênica e a aparente eliminação de fronteiras entre ator e personagem, situação dramática e acontecimento real, compõe, um ardil permanente. O texto apresenta uma sucessão de eventos cotidianos: enfretamentos entre casais, pais e filhos, tabus sexuais, traumas, romances e acidentes dividem espaço com quiproquós típicos do universo teatral. À vezes é realmente difícil entender quem é quem. Vale, no entanto, o que disse o cineata Robert Altman (referência forte do espetáculo), sobre a confusão gerada pela dificuldade de identificar os personagens em alguns de seus filmes: “É assim que a vida se parece”. Os eventos acabam sob a navalha de cortes abruptos comandados ao vivo pela diretora. É ela quem determina, a cada espetáculo, novos cortes e diferentes ordens das cenas. Cadeiras representam dimensões simbólicas, atribuindo funções a quem as ocupa. Fronteiras traçadas no chão pelos atores logo se convertem num emaranhado que dialoga com a narrativa. Monitores afixados em estruturas móveis revelam imagens de outros espaços do prédio, captadas por câmeras de vigilância. Tudo acontece em tempo real e faz refletir sobre a realidade em nosso tempo. A boa notícia é que o uso do vídeo não soa gratuito. Esse sistema se harmoniza com o que se passa no palco e reserva algumas boas surpresas fora dele. Em algums momentos as fórmulas correm o risco de se desgastar pelo excesso, mas o excesso é incorporado como linguagem. Do mesmo modo, as mudanças frequentes de registro e a tal da secura do corte podem confundir a ponto de perder densidade dramática. Mas a proposta talvez seja justamente essa: uma narrativa retalhada que se converte em breves focos de conflito. Na narrativa da vida, o que interessa é o instante. Quem é quem já não importa tanto: estamos diante de um espelho estilhaçado.”